sexta-feira, 24 de abril de 2009


Diálogo

Toca a campainha e o homem vai abrir a porta, não sem antes dar um passo de dança. Na porta está uma mulher. No caso, “mulher” é eufemismo. Ela é mais do que isto. Se Deus fosse mandar uma amostra do Seu trabalho para concurso, mandaria ela. Preciso me lembrar desta frase para dizer depois, pensa ele.

– Alô – diz ela.
– Alô. Entre.

Ela entra e olha em volta.

– Eu sou a primeira?
– Não. Desde os 15 anos que eu... Ah, você quer dizer a primeira a chegar. É, é.
– Bonito, seu apartamento.
– Depois que você chegou ele ficou.
– O quê?
– Bonito.
– Mmmm.

Que diálogos, pensou ele. Que diálogos! A noite prometia.

– Me dê seu casaco, sua bolsa...

Ela dá. Ele fica parado ao seu lado. Ela diz:

– Eu não vou tirar mais nada...
– Ah. Certo, certo.

Ele vai guardar o casaco e a bolsa. Ela examina a sala do apartamento. Em cima da mesa de centro há um balde com uma garrafa de champanhe em água gelada e dois copos compridos. O homem volta. A mulher diz:

– Você não falou que ia ter uma festa?
– Onde você estiver, é uma festa.
– Mas você disse que haveria convidados.
– Sim.
– Eu só vejo dois copos.
– Yes.
– E os outros?
– Que outros?
– Os outros convidados.
– Mmm. Sim. Bem. Se eles chegarem, eu...
– “Se”? Quer dizer que eles podem não vir?
– Pode ter havido um esquecimento.
– Eles podem ter se esquecido de vir à festa?
– Ou eu posso ter esquecido de convidar...
– Já vi tudo. A festa é só nós dois.
– Eu prefiro grupos pequenos. Você não?

Que timing. Que marcação. E não tem ninguém gravando isto!
A mulher sorri e rodopia no meio da sala. Seu vestido branco esvoaça.
Que pernas, que noite! Ele serve champanhe para os dois. Ela fala.

– Vou avisando uma coisa...
– O quê?
– Esta noite eu sou a Cinderela.
– Cinderela? Por quê?
– Até a meia-noite me comportarei como uma dama...

Ele ensaia um passo, arqueia uma sobrancelha e pergunta:

– E à meia-noite?

Ela o afasta com a mão.

– À meia-noite eu saio correndo.
– Não há por que se preocupar. Se você é Cinderela, eu serei seu servo, seu cocheiro, seu escravo.
– Então me serve mais champanhe, servo.

Ele serve, pensando: “Tomara que ela diga que as bolinhas do champanhe fazem cócegas no seu nariz...”.

– As bolinhas do champanhe fazem cócegas no meu nariz...
– Isso eu também faço e não sou champanhe.
– O quê?
– Cócegas no seu nariz.
– Não entendi.
– Esquece, esquece.

Não se pode acertar todas, pensa ele.

– Você não quer conhecer a minha biblioteca? – pergunta.
– Quero.– Venha. Traga o seu copo.
– Mas, espere... Ali é o seu quarto.
– Minha biblioteca fica no quarto. Os dois livros, ao lado da cama.
– Então traga para cá.
– A cama?
– Os livros.

Ele a enlaça pela cintura. Rodopiam juntos, depois caem no sofá. Ele pega a garrafa de champanhe e serve mais um pouco.

– Acho que você está querendo me embebedar...

Quem diz isto é ele.

– Se você já abriu o champanhe agora, o que é que nós vamos abrir à meia-noite? – pergunta ela.
– Talvez um zíper ou dois...

Preciso me lembrar de tudo isso para contar depois, pensa ele. De algum lugar no apartamento vem a voz de Frank Sinatra.

– É meia-noite.
– Como é que você sabe?
– Meu cuco.
– Pensei que fosse o Frank Sinatra...
– A imitação não é perfeita? Ele usa até o mesmo tipo de chapéu.

Ela tenta levantar do sofá.

– Hora de ir embora...
– Daqui você não sai, Cinderela.
– Mas você não disse que era o meu servo?
– Disse.
– Pois eu estou ordenando que você me leve para casa.
– Não.
– Por que não?
– Porque bateu meia-noite e eu me transformei num rato! Feliz Ano-Novo.

Meia hora depois, ela está nua, embaixo dos lençóis, e ele está numa mesa do quarto, escrevendo.

– Você não vem? – pergunta ela.
– Só um pouquinho. Estou tomando umas notas para não esquecer nada depois. Quando você falou que o champanhe fazia cócegas no seu nariz, o que foi que eu disse mesmo?

Luís Fernando Veríssimo


I Know Where You Sleep (tradução)

Emilie Autumn

Eu conheço
Os pensamentos doentios que escorregam em volta de sua cabeça
Eu conheço
A faminta culpa que me enterrou em sua cama
Manipule-me se puder
Vá em frente e me engane como sua maior fã

Eu conheço
O orgulho arrogante que envenena a verdade que você ouve
Eu conheço
A língua arrogante que rasga seu medo
Pontifique sua estrela desbotada
Vá em frente e me mostre quem você realmente é

Você pode mentir aos jornais
Você pode esconder da imprensa
Você pode fingir no palco
Você pode rastejar da sua gaiola
Você pode procurar e destruir
Você pode matar e depender disso
Eu conheço a sua carne maculada
Eu conheço a sua alma imunda
Eu conheço cada truque que você pregou
Cada vadia com quem se deitou
Cada sonho que roubou
Eu conheço a cama no quarto na parede
Na casa onde você conseguiu o que queria e arruinou tudo
Eu sei os segredos que você mantém
Eu sei onde você dorme

Eu conheço
A doença por trás da imagem que você criou
Eu conheço
O tédio de precisar transformar tudo que ama em ódio
Seu pobre paranóico patético
É só comigo, ou você secretamente gosta disso?

Você pode mentir aos jornais
Você pode esconder da imprensa
Você pode fingir no palco
Você pode rastrear da sua gaiola
Você pode procurar e destruir
Você pode matar e depender disso
Minta, rasteje, procure, mate
Eu conheço a sua carne doente
Eu conheço a sua alma imunda
Eu conheço cada truque que você pregou
Cada vadia com quem se deitou
Cada sonho que roubou
Eu conheço a cama na parede do quarto
Na casa onde você conseguiu o que queria e arruinou tudo
Eu sei os segredos que você mantém
Eu sei onde você dorme

Você faz o papel de vítima muito bem,
Você constrói seu próprio inferno indulgente,
Você queria alguém que te entendesse,
Bem, cuidado com o que você deseja porque eu posso!
Você tem um jeito refinado de distorcer as frases
Você prepara sua armadinha
Você faz sua brincadeira
Você gosta tanto de jogos
Você não deve perder nunca
Engraçado como o único em sua cama é você

Você pode mentir aos jornais
Você pode esconder da imprensa
MINTA, RASTEJE, PROCURE, MATE

Oh meu Deus, oh meu Deus
Eu toquei em você
Não posso viver assim
Deus salve a rainha,
Eu amei você!
Não posso viver assim
Eu fodi você
Não posso viver assim

Eu conheço os pensamentos doentios que escorregam em volta de sua cabeça
Eu conheço a faminta culpa que me enterrou em sua...cama

Você pode mentir aos jornais
Você pode esconder da imprensa
Você pode fingir no palco
Você pode rastrear da sua gaiola
Você pode procurar e destruir
Você pode matar e depender disso
Minta, rasteje, procure, mate
Eu conheço a sua carne doente
Eu conheço a sua alma imunda
Eu conheço cada truque que você pregou
Cada vadia com quem se deitou
Cada sonho que roubou
Eu conheço a cama na parede do quarto
Na casa onde você conseguiu o que queria e arruinou tudo
Eu sei os segredos que você mantém
Eu sei onde você dorme

Estou te desejando muita sorte,
E, aliás,
(sua poesia é um lixo)

terça-feira, 21 de abril de 2009


Quando o vazio se faz presente...


"... Desandei até meu quarto e retirei o uniforme. Senti como se estivesse nascendo naquela hora, em um mundo de tarde fria onde só chorar era possível. Olhei no espelho do guarda-roupa, me procurando. Minha boca estava branca de dor e medo. O silêncio interminável trazia um andar sereno de todos e gestos só de desculpas.

...

Na manha do outro dia, assentado no banco de reguinha e duro, eu via o trem comendo o mundo. Parecia que toda a paisagem – árvores, casas, cercas, gados, rios – era devorada. Nada ficava para trás, a não ser a minha lembrança.

...

Assim, eu passava os dias recuperando o atrasado como se fosse possível, com ele, trazer todo o perdido de volta.

...

A casa ficou maior e cheia de silêncio. Tudo parecia se esforçar para não acordar quem deveria dormir por toda a vida. O vazio ocupou, tanto, o quarto que passei a dormir na beiradinha da cama, como se empurrada pelo novo morador. E o vazio não me deixava tocar em nada. Tudo – santo na parede, latas de talco,vidros de perfume, caixinhas de desmazelos,imagem na beira da cabeceira – tudo ficava no mesmo lugar por exigência do vazio. No nada cabe tudo. Até a poeira marcava a retirada de qualquer pertence.

..."


(trechos retirados e adaptados do livro "Ler, escrever e fazer conta de cabeça - Bartolomeu Campos de Queirós)

domingo, 12 de abril de 2009


Confesso que chorei ao ler.
Seti saudades, senti raiva, senti-me mal amada... Um sentimento de impotencia diante de palavras, fatos e verdades ditas pela metade.
Pq queremos o que não está ao nosso alcance? pq o que é "facil" não tem valor? pq eu quis tanto que não acontecesse e quando deixou de ser uma verdade eu desejei que tivesse sido?!
Esta cólica está me matando, mas, antes a cólica do que alguem seguindo mal exemplos de duas pessoas que não tomam remédio.

sexta-feira, 10 de abril de 2009


É comum eu ouvir das pessoas mais diversas uma mesma constatação: você é diferente. A maioria diz isso com uma mistura de perplexidade e entusiasmo. Dizem que na primeira vez que me encontram acham que sou quietinha, mas bastam cinco minutos para perceberem que gosto de pessoas, de falar, escutar e ser ouvida.

Alguns ficam com receio de falar com alguém que escreve da forma mais verdadeira sobre a própria vida e opiniões, como se questionassem, será que ela vai encontrar uma forma de transformar tudo que vê num texto?

Não é de se estranhar que entre um depoimento e outro as pessoas me chamem de maluca e doidinha. Eu prefiro dizer que sou alguém que vive da maneira mais intensa, e é por isso que sofro, choro, rio de todas as minhas atitudes e acabo somatizando todas as minhas emoções. Não tenho medo de fracassar, de ser rejeitada, de falhar...tento pela segunda, terceira, quarta vez. E se eu me canso? Nem um pouco. Quanto mais difícil, mais tesão eu sinto.

Teve uma pessoa que me chamou de mocréia. Fiquei passada. Ao mesmo tempo me senti importante. O que faz alguém perder seu tempo para escrever umas mal traçadas linhas ( em um português bem ruim por sinal) e dizer que eu uso as pessoas ao meu redor e propago o feminismo?

Puxa. Obrigada mesmo pelo mocréia. Sabe que faz um bom tempo que resolvi deixar meu corpo e minha mente pelada para que as pessoas pudessem mesmo rir dos meus defeitos. Olha a Lari com estrias, celulites, com medo de ser pobre e gorda, de não poder ajudar todas as pessoas, com receio de não poder comprar sua cama king size, com medo de ficar doente...

Eu mereço mesmo é que se matem de rir dos meus defeitos e minhas imperfeições. Por isso nunca liguei em ficar de calcinha e camiseta em casa, na companhia das meninas, muito menos dou importância quando as pessoas dizem que não sirvo para determinada coisa.

Minha família me apóia acima de qualquer coisa, mas meu pai em especial sempre temeu pela minha personalidade....era como se ele dissesse, filha, você não pode se expor tanto, você ainda vai sofrer com essa sua mania de brigar pelas coisas e pelas pessoas.

A bem da verdade me disseram para não perder meu tempo e aumentar o seu ibope, mas não vou negar que uma coceirinha me pegou o dia todo. Sabe que eu não sou nem um pouco modesta viu, defendo com unhas e dentes tudo aquilo que eu publico, todos os personagens que construo, dos mais encantadores aos mais idiotas. Sim, qualquer pessoa, homem ou mulher, velho ou nova, basta conversar comigo e servirá de inspiração para alguma coisa.

Vivo para contar histórias, para me despir de todos os meus preconceitos, me exploro, me sacaneio propositalmente. Como é que você acha que isso aqui ainda existe? No dia em que eu não puder extravazar e colocar para fora todo o sentimento que não cabe em mim, posso me considerar um defunto autor.

A mocréia não é feminista, muito menos machista. A mocréia é mocréia. Basta.


Texto escrito pela Mocréia (nome fictício), mas, como me identifiquei total com o texto, aqui está.
Minha fake e eu nos identificamos até nisso... hahaha