terça-feira, 21 de abril de 2009


Quando o vazio se faz presente...


"... Desandei até meu quarto e retirei o uniforme. Senti como se estivesse nascendo naquela hora, em um mundo de tarde fria onde só chorar era possível. Olhei no espelho do guarda-roupa, me procurando. Minha boca estava branca de dor e medo. O silêncio interminável trazia um andar sereno de todos e gestos só de desculpas.

...

Na manha do outro dia, assentado no banco de reguinha e duro, eu via o trem comendo o mundo. Parecia que toda a paisagem – árvores, casas, cercas, gados, rios – era devorada. Nada ficava para trás, a não ser a minha lembrança.

...

Assim, eu passava os dias recuperando o atrasado como se fosse possível, com ele, trazer todo o perdido de volta.

...

A casa ficou maior e cheia de silêncio. Tudo parecia se esforçar para não acordar quem deveria dormir por toda a vida. O vazio ocupou, tanto, o quarto que passei a dormir na beiradinha da cama, como se empurrada pelo novo morador. E o vazio não me deixava tocar em nada. Tudo – santo na parede, latas de talco,vidros de perfume, caixinhas de desmazelos,imagem na beira da cabeceira – tudo ficava no mesmo lugar por exigência do vazio. No nada cabe tudo. Até a poeira marcava a retirada de qualquer pertence.

..."


(trechos retirados e adaptados do livro "Ler, escrever e fazer conta de cabeça - Bartolomeu Campos de Queirós)

Nenhum comentário:

Postar um comentário